quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Carta aberta à imprensa e à população brasileira em resposta ao PLC 93/2008

Por uma legislação que signifique um avanço ético, jurídico e científico!

Carta aberta à imprensa e à população brasileira.

No dia 06 de agosto de 2008, foi publicada pela Agência Senado a seguinte notícia: CCJ é favorável a projeto que minimiza dor de animais submetidos à pesquisa científica”.

Quando se lê esta manchete chega-se à conclusão de que os animais passam a ser mais protegidos de sofrerem em pesquisas científicas ou ainda pode se concluir que eles não eram antes protegidos de excessos quando usados em experimentos científicos. Estes comentários são da Agência Senado sobre um projeto de lei que trata do uso dos animais no ensino e na ciência., mas se alguém se detiver a estudar a história da legislação brasileira em relação aos animais ficaria surpreso com o retrocesso que esta lei assinala.

Ora, em 1934 um decreto já garantiu considerável proteção aos animais e se compararmos a este novo projeto de lei poderia se dizer que por ali já se previam cuidados que hoje não são tão detalhados como nesta nova lei* que esta em fase final de votação! (*Estou usando aqui a palavra lei muitas vezes genericamente para dizer Projetos de Lei e outros preceitos jurídicos).

Em 1934, por exemplo, a legislação brasileira previa que não se deviam alimentar aves de forma mecânica, nem submeter animais de tração a peso em demasia, ou submeter animal a trabalho sem descanso ou sem condições de alimento ou higiene; cuidados que hoje em dia nem sempre são observados! Há ainda muitos cuidados que são ali pensados para que a crueldade com os animais fosse evitada. Em termos gerais esta legislação proíbe que animais sofram nas mãos do homem. O decreto também impedia que se colocassem muitos animais juntos de forma a terem seus movimentos tolhidos. Isto foi criado em 1930 e passou a vigorar em 1934. Além destes exemplos há muitos outros artigos que o decreto de 1934 tratou de criar no sentido de “minimizar”, e até mesmo evitar, o sofrimento dos animais. E pasmem, até os cavalos tinham descanso garantido e não poderiam trabalhar muitas horas seguidas. Com isto quero mostrar que já temos legislação que cuida do bem-estar animal no Brasil há uns 80 anos.

Depois disto outras leis vieram, mas essa lei de 1934 não foi revogada, nos dizem nossos mais caros especialistas da área do Direito. E se observarmos os vários artigos dessa lei veríamos que ali temos ferramentas para evitarmos no século XXI vários abusos cometidos contra animais, seja na condução de carroças ou outros casos como abandono de animais domésticos, infelizmente cenas comuns em muitas cidades brasileiras.

Em 1979 outra lei tentou dar conta de questões mais específicas como a vivissecção que é a “prática didático-científica da vivissecção de animais”, nos termos da lei. Não que a lei de 1934 não tivesse em si mecanismos capazes de proteger animais da crueldade humana mesmo se aplicados à vivissecção. A lei de 1979, Lei 6.638, se detém na vivissecção e o uso de animais em pesquisas e é específica no objetivo de regular a vivissecção e o uso de animais em testes, de certa forma permitindo-a, mas tenta coibir abusos e exige que sejam tomados cuidados como anestesia SEMPRE e somente em centros autorizados e com a supervisão de técnicos especialistas. Apesar de ocupar-se da vivisecção é uma lei que se ocupa de regular esta prática, mas trata que o animal não sofra e proíbe que menores assistam a vivissecção, ou seja, ela regula e restringe e prevê que os animais não sejam submetidos a crueldades. Esta lei não revoga a lei anterior, mas apenas as disposições em contrário, ou seja, ela mantém a legislação anterior, restringindo mais ainda a crueldade e o uso indiscriminado dos animais, principalmente aqueles que lhes submetam a sofrimento, mesmo no ensino ou pesquisa.Ela tem o objetivo de regular de forma mais específica o que antes era geral, neste caso a cerca do uso de animais no ensino e pela ciência.

Em 1988 temos uma nova Constituição que em vários artigos nos diz que é função do Estado preservar a fauna (art.23) e em especial o artigo 225, que trata do meio ambiente, principalmente no inciso sete, ao nos dizer que o Poder Público deve proteger a fauna e diz ser vedada a crueldade com animais. Na realidade, de 1934 até 1988 outras leis aos poucos foram sendo criadas especificando certas situações como ilícitas, restringindo cada vez mais a crueldade e situações de abusos com animais e determinando sanções em caso de contravenção. Em 1998 a Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605 de 1998, diz no artigo 32 que é crime praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar qualquer tipo de animais e como na Lei de 1934 dá as penas e multa para o caso da contravenção. Mas esta lei vai além, no inciso de número um, e diz ser crime “quem realiza experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”.

Vejam que ali já há elementos suficientes para protegermos os animais de maus tratos, mesmo para fins científicos. Há outros elementos a serem acrescentados a esta questão. A ANVISA, um órgão que tem como objetivo promover a saúde e o bem-estar social da população, exige a realização de testes pré-clínicos, ou seja, testes em animais em algumas substâncias como medicamentos, quando são novas substâncias, mas não obriga em outras como cosméticos e saneantes.Por outro lado estes testes em cosméticos e outros produtos que não têm a exigência legal da realização de testes são permitidos. Ou seja, enquanto não existir na legislação brasileira algo que se oponha a testes, deve se partir desta premissa: há casos em que são obrigatórios . São obrigatórios testes em novas substâncias, ou em substâncias jamais testadas ou que não apresentem alternativas para testes em animais(obrigatoriedade específica e exclusiva a medicamentos). E quanto à vivissecção ela já era proibida no ensino fundamental e para menores, ou seja, a legislação até 2008 já apresentava mecanismos para restrição do sofrimento dos animais.

Em 1995 o deputado Sérgio Arouca propôs uma nova legislação que se detinha na questão dos testes em animais na ciência e pesquisa e o uso de animais no ensino. Não existia ainda a Lei de Crimes Ambientais, mas já existia uma legislação federal que garantia que animais não sofressem maus tratos ou fossem submetidos à crueldade. Sem entrar em considerações a respeito do uso dos animais para consumo humano, gostaria de me deter nas questões da criação desta lei de 2008 e esta manchete noticiada pela Agência Senado.

Vejam que de certa forma esta manchete foi copiada da lei, porque de fato essa lei prevê que haja a dor em nome da ciência e da pesquisa, já que ela usa a palavra “minimiza”, ou seja, ela passa a permitir a dor que antes não era mencionada. Ela prevê a dor e retira ou exclui a palavra que antes existia no caso da vivissecção: “não será permitida sem o emprego de anestesia”. E vejam que a lei de 1975 restringia o uso dos animais em experiências, àquelas “recomendadas nos protocolos” e em algumas atividades de ensino. Aliás, os termos da notícia do Senado são justamente o que diz a lei que querem revogar: “A proposta determina ainda que os animais só poderão ser submetidos a intervenções desde que elas sejam recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado” (Cláudio Bernardo / Agência Senado, dia 06-08-08). E a lei de 1979, Lei 6.638, artigo 4 diz: (...) "o animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos das experiências que constituem a pesquisa, ou os programas de aprendizado cirúrgico, quando , durante ou após a vivissecção, receber cuidados especiais.” Ou seja, isto não é novo, é antigo.

E a lei de 1998, Lei de Crimes Ambientais, exige que as alternativas sejam realizadas, sempre que existirem. A questão é que estas leis são gerais e não detalham várias situações como a lei de Arouca de 1995 propõe, mas isto não chega a ser um problema, porque a lei parte do permitido e do não permitido, cabendo às autoridades previstas pela lei avaliarem se há ou não ilicitude nas condutas. O que é ilícito, e neste caso crime, é o fato de haver ou não crueldade para com os animais, já que isto é proibido desde 1934 e se mantém proibido pela própria Constituição Federal de 1988.

A lei de Arouca elimina a restrição da vivissecção e no seu dizer de “regular” ela passa a permitir algumas condutas que causam dor e amplia o uso dos animais. Ela joga muito com esta palavra “regular” como se não houvesse uma regulação antes. Como foi visto acima, já existia legislação sobre o tema e o que ela apresenta não é tão mais “regulador”.Na realidade esta lei, que foi elaborada há 13 anos, regula liberando o uso de animais muito mais do que se permitia antes. Talvez seja por isto que ela se utiliza de uma palavra que aparece na manchete: “minimiza”, pois ela de fato permite!

O que acontece é que o jornalista que relata apenas reproduz o que lhe dizem. Assim como ele os cidadãos brasileiros subestimados com este tipo de manchete tranqüilizam-se ao ler e podem festejar aquilo que outro grupo critica, que são aqueles que tentam com muita dificuldade protegerem animais da crueldade no Brasil! No Brasil nem o animal é devidamente preservado de maus tratos nem os defensores de direitos dos animais são respeitados e sequer têm espaço para opinar ou sugerir.

Resta apresentar mais um elemento que desmente a manchete, porque se ela de fato minimizasse o sofrimento de animais mais do que a legislação anterior já prescrevia, ela reforçaria o uso de alternativas, mas esta palavra aparece somente uma única vez numa lei bastante extensa com vários capítulos e muitos artigos ! E quando aparece ela não fala em investir em alternativas, mas em controlar alternativas ! Sendo que controlar aqui dá a entender que é de ter o direito ao controle desta prática e não no sentido de coibir, mas de ser o organismo capaz de controlar. Há outro elemento assustador nesta legislação neste ato de controlar que é o fato de retirar a proteção dos animais que cabia Ministério do Meio Ambiente ao grupo que vê no animal um objeto e em alguns casos fonte de lucro, já que passa para o Ministério da Ciência e Tecnologia e os grupos presentes no Conselho que ela cria e legitima são em franca maioria provenientes da industria famaceutica, deixando um pequeno espaço a defensores de animais sem determinar se eles teriam como ser subsidiados nesta possibilidade de participar. Ora é de se esperar que defensores de direitos de animais não tenham como participar como no caso dos cientistas que trabalham com isto ou representantes de grandes empresas que lucram com isto. Além disso quem organiza, coordena, regula e controla esta escolha de membros do comitê é o grupo que tem interesse bem diverso dos defensores de animais, ou seja, além de serem poucos, não estão postos ali princípios que garantam a participação democrática destes grupos. Eles estão ali para apenas legitimar um poder que é do grupo que criou a lei, que mantém o uso dos animais e algumas vezes lucros imensos com seu uso ( há representantes de laboratório e alguns grupos que desenvolvem atividades que incentivam o uso de animais).

O que a manchete também não noticiou é o fato de ser uma lei que todos os defensores de animais se opõem. Vejam que ao contrário do personagem esteriotipadamente insensato que pintam dos que desejam o respeito aos animais, há nestes grupos também cientistas que desejam o avanço da ciência como os demais. Também há respeitadíssimos Promotores de Justiça, Juízes e muitas pessoas que mereciam um espaço semelhante, mas não há no nosso grupo políticos para nos ouvirem ou serem porta-vozes de nossos projetos (há muito poucos para suportarem a pressão dos donos de circo e zoológicos e dos cientistas de grandes agências e corporações e mesmo poderosas empresas da indústria farmacêutica).

E não nos opomos ao avanço da ciência, mas cabe aqui apenas denunciar simplesmente o fato de que está sendo afirmado algo que não coincide com a verdade. Este Projeto de Lei não diminui o sofrimento dos animais, ao contrário ele permite o uso de animais em situações que antes não eram permitidas e delega poderes que caberiam ao Estado nesta proteção e preservação da fauna a um conselho composto na maioria por pessoas diretamente interessadas nesta prática. A diferença de motivação entre os defensores de direitos dos animais e protetores de animais e a maioria dos cientistas, e demais pessoas interessadas na questão reside no fato de que um grupo quer respeitas e proteger os animais e o outros os interesses humanos exclusivamente e em alguns casos dos interesses de um pequeno grupo.(Ver detalhes em outro blog e em outro sob o PLC93). ( se me permitem uma metáfora mais carregada de simbologia engajada : estão dando a ovelha para o lobo cuidar !)

Escrevo isto no intuito de solicitar aos jornalistas mais atenção e cuidados com os cidadãos brasileiros que precisam ser bem informados do que está sendo feito de seu voto. Afinal estamos em tempos de eleições é e preciso lembrar que precisamos estar bem atentos em quem estamos depositando nossa confiança e pedindo que defendam nossos interesses. Queremos transparência, Justiça e respeito também com nossos ideais , mas queremos também transmitir às futuras gerações noções de respeito a todos, aos animais e à natureza.

Estes que votaram favoravelmente ao PLC 093/08 , a Lei de Arouca, na Câmara ou no Senado Federal com certeza não foram representantes da vontade de muita gente que gostaria que sua legislação avançasse como é em outros países que sabem cuidar da ciência, da saúde e da qualidade de ensino da população sem esquecer-se da ética e mesmo da educação das futuras gerações.

Amanhã votarão mais uma vez neste projeto sem que tivesse havido participação de diferentes segmentos da população brasileira diretamente interessada na questão, além dos cientistas e pessoas ligadas à indústria farmacêutica que ansiosamente esperam a aprovação do Projeto de Lei. A única esperança que temos neste processo político é que sabemos que cada vez somos mais numerosos e nossa voz acabará por ser ouvida!

Se o projeto for aprovado espero que noticiem mais criteriosamente os fatos que esta legislação sugere e não afirmem que é uma lei que favorece aos animais!

Enquanto não podemos fazer parte deste processo “democrático”, pedimos pelo menos transparência, um pouco mais de respeito e que as notícias, além de estarem de acordo com os fatos, sejam neutras e não celebrem tanto a forma que nossa sociedade se utiliza dos animais.

Aos senadores e senadoras pedimos que nos escutassem mais uma vez. Também somos brasileiros e brasileiras e gostaríamos que nossa opinião também fosse valorizada!

Eliane Carmanim Lima
CRP 07/04567
Porto Alegre, 12 de agosto de 2008.

P.s: Enquanto na Europa investe-se cada vez mais em alternativas no Brasil investe-se cada vez mais em testes com animais. Há que se levar em conta que há aí também um "mercado" e pessoas interessadas em prosseguir com isto, porque há também lucros (e reconhecimento ou notoriedade) nesta área. Independentemente das motivações que levam algumas empresas, organizações, estruturas (ou pessoas) investirem em alternativas ou em testes em animais, não se pode negar isto. Vejam nestes links :

Métodos Alternativos reduzem testes em animais
Há muitos grupos ligados aos testes em animais (clique aqui). (Assim n
Publicar postagem
unca vão investir em alternativas como em outros lugares)

Outra nota: nesta lei há a participação da sociedade civil, mas os critérios de eleição destes representantes não são definidos e esta escolha se dá a partir do grupo que tem interesses bem diversos da dos protetores ou defensores de animais, ou seja, não é um processo democrátio. E tampouco são garantidas as condições para que os grupos que tem interesse na defesa de direitos de animais participarem.

P.s2.: se você postar um comentário, por favor me deixe um contato( email).

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